CAIXINHA DE SURPRESAS
Carlos
Edu Bernardes
Quem é apaixonado por futebol passa por momentos em que não
adianta fazer nada ou falar nada. E esses momentos, terríveis, são quando o seu
time perde. E o pior é que, por melhor que ele esteja no campeonato, uma hora
ele perde, seja qual for.
Aí a paixão pelo futebol não permite que você se esconda ou
troque de agremiação, vire a casaca, vire a folha, etc., mesmo que seus ídolos
estejam irritantemente desfilando de saltos altos ou os cartolas
perpetrando falcatruas em cima de falcatruas para ser campeão, ou, numa
hipótese quase nunca valorizada, vice. E assim versa:
Tudo começa quando, desde pequeno, você aprende a
gostar deste ou daquele time, geralmente induzido pelo seu pai, por colegas ou
por tios. Estes chegam a presentear você, dá até pra ver seus olhos marejados,
com a camisa do "melhor time do mundo", que na verdade é o tíquete
apenas de ida para o mundo do gozar ou ser gozado, mesmo pontuado de ruidosas
comemorações. E não adianta piar quando mais tarde você se colocar acima das
paixões futebolísticas, por mais esdrúxulas ou sem finalidades práticas que
sejam, pois alguém sempre lembrará que um dia você vestiu a camisa do tal
"melhor do mundo" e agora você vai ter que ouvir, ah vai!
O duro é que não se pode revidar ou ficar muito puto, pois quantas
vezes você encheu o saco também? Esqueceu? Mesmo quando aquele menino que ainda
vive no seu peito tá a fim de mandar o sujeito ir tomar naquele lugar, como
tantas vezes fez, e talvez até já tenha rolado no chão engalfinhado com o
gozador. E foi aí que, como mágica, a paixão só fez aumentar...
Fico pensando: feliz deve ser a torcida do Íbis lá de
Pernambuco, que se autogoza proclamando ser o seu o pior time de todos os
tempos. Talvez ela tenha achado o ponto certo de curtir o futebol: se perder, é
festa, se ganhar, é festa.
A maior discussão lá em casa, na época da minha estupenda
infância, era quando a hora do jogo de futebol pela televisão coincidia com a
hora da novela. Naquele tempo as redes de televisão ainda
estavam descobrindo e dilapidando o filão de ouro que são as
transmissões dos matchs e adjutórios;
o futebol era mais como uma curtição. Jogador não ganhava muito, e se ganhava a
gente nem sabia. O Pelé usou chuteiras PUMA na Copa de 70. Fiquei sabendo disso
há pouco tempo, pois durante aquela Copa, aos 10 anos de idade, não me lembro
de ter lido ou ouvido nada sobre o assunto. Quanto ele ganhou eu não faço ideia.
Lembro-me sim, muito tempo depois disso, que o Emerson Leão, técnico do
selecionado brasileiro anterior ao Felipão, ter usado um tênis Adidas durante
treinos da seleção e fedeu gambá enlatado, porque a Nike, fornecedora do
uniforme brasileiro, não gostou... E eu, desta feita, fui obrigado a ler isso num
jornal, como se fosse uma notícia dessas interessasse à minha paixão. Ora!
Bom, então lá em casa a discussão se fazia sempre acalorada
e os argumentos dos homens (meu pai, eu e meu irmão), eram os de que a novela
passava todos os dias e ficava ensinando coisas erradas para o povo. As
mulheres, minha mãe e minha irmã - em desvantagem numérica, mas mulher naquela
época era muito mais respeitada do que essas dos comercias de cerveja de
hoje - retrucavam dizendo que futebol tinha também quase todo dia e que
ensinava o quê? Meu pai, sempre turrão e em tentativas arrojadas, dizia que as
meninas novinhas ficavam facilmente grávidas vendo aquela permissividade e que
não sabia de nenhum menino desrespeitando os pais porque o centroavante não tinha
driblado o goleiro. Mas... Nada feito. E daí a gente se calava, entreolhando-nos
com aquele suspiro de derrotados, porém, esportistas, não desistíamos.
Meu irmão ficava tão irritado que dizia: " - Saco! Ainda
tem dia que chove e o jogo é transferido. Novela pode cair o mundo que
passa!" Então era momento de usarmos nossa derradeira saída e corríamos para
o rádio Semp da minha avó, que nessas horas já estava sonhando com o Cauby
Peixoto, e tentávamos sintonizar a Rádio Globo. Quando aquelas vozes
inesquecíveis dos saudosos Jorge Cúri, Waldir Amaral e do Mário Vianna (sempre com
dois "enes", ele frisava), invadia nossos ouvidos, era como se
tivéssemos escutado o primeiro gol da noite. Noites maravilhosas no magnífico
Maracanã, um lugar mágico e cativo no nosso peito. Acomodávamos para acompanhar
a peleja e, um pouco dorida com a nossa subtração visual do jogo, mamãe trazia
pipoca e Crush, e tudo voltava a ficar bem.
Geralmente dava para ver o segundo tempo na TV e, antes
dele começar, papai levava meus irmãos mais novos para a cama. Uma sem ter
visto o final do capítulo da novela e outro sem comemorar ou xingar o destino
do nosso time. Eu, bonitão, fazia o meu xixi e sentava entre papai e
mamãe, sentindo-me ladeado pelos Pelé e Glória Menezes...
Assim, domingo passado ouvi novamente várias gozações, além
de deparar nos meus emails, tweets e posts do facebook, com todo tipo de esculhambação escrita,
desenhada e até com som, por causa de uma simples derrota do meu time. To
falando!
Sinceramente agradeço cada uma dessas gozações. Pelo lado
saudável da coisa, significa que estamos sintonizados com uma das nossas
grandes paixões. Afinal, é ela que faz tamborilar os coraçõezinhos dos meninos
que sempre seremos ao ouvirmos um belo grito de gol. Onde quer que estejamos.
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